Metade dos portugueses padece de, pelo menos, uma doença crónica, algumas destas requerendo acompanhamento adequado e continuidade de cuidados.
Numa epidemia como a COVID-19, que obriga a alteração da organização dos cuidados de saúde, criando novas áreas de tratamento vocacionadas para a sua abordagem e desviando recursos físicos, humanos e materiais da sua função normal, suspendendo as atividades programadas e o atendimento rotineiro, há que criar mecanismos que acautelem o acompanhamento dos doentes crónicos, sob pena de aumentar a sua morbilidade e mortalidade. Nas epidemias recentemente ocorridas em diversos países, foi observado um acréscimo de mortes nos doentes com patologias crónicas anteriormente bem controladas.
Acresce um outro grupo de doentes que precisam de ser avaliados por quadros clínicos recentes e, por isso, de realizar os exames e tratamentos indicados. Muitas doenças têm prognóstico que depende da avaliação em tempo adequado e são prejudicadas pela disrupção dos processos que ocorrem nestas situações. É disso exemplo o atraso que se está a verificar no tratamento dos doentes com condições agudas associadas à doença cardiovascular e cerebrovascular. Relativamente à angioplastia coronária primária, o atraso no tratamento, condicionado essencialmente com o atraso na procura dos meios de socorro normais (INEM), tem-se traduzido por resultados imediatos piores relativamente aos observados antes da pandemia, com impacto na mortalidade hospitalar.
Para fazer face à convergência e concorrência destas necessidades diárias, com as da pandemia emergente, requerem-se uma coordenação e planeamento cuidadosos, que considere as realidades locais e regionais e a utilização de mecanismos inovadores que assegurem a continuidade de cuidados, tratamentos e avaliações diagnósticas. Devem-se ainda assumir as prioridades clínicas e uma gestão racional dos recursos humanos e materiais, em simultâneo com um rigoroso controlo do risco de infeção.
Portugal tem tido um bom desenvolvimento no que diz respeito a infraestrutura informática com a partilha de dados clínicos e importante incremento da telemedicina. Estas infraestruturas podem agora ter um papel acrescido na gestão dos doentes crónicos com planos bem estabelecidos. Será, no entanto, indispensável ter, com sede regional, centros que permitam disponibilizar tratamentos e meios complementares de diagnóstico, que sendo insuficientes para resolver tudo o que estará pendente, terão que ser racionalmente utilizados numa base de priorização de cuidados, assegurada por uma eficiente gestão clinica.
A Medicina Geral e Familiar tem aqui um papel muito importante, pelo que é fundamental manter os Cuidados de Saúde Primários funcionantes para o atendimento dos doentes crónicos, mas será também necessário organizar o atendimento ao nível das diversas especialidades hospitalares.
O CEMP manifesta a sua preocupação em relação a este problema e defende, por isso, que sejam disponibilizadas unidades de assistência aos doentes crónicos ou em fase de avaliação, mas com áreas de serviço separadas das utilizadas para o atendimento urgente quer geral quer para doentes com COVID-19. Tal passa pela criação dos chamados “hospitais limpos”, que possam atender os doentes portadores de patologias crónicas, bem como garantir o acesso dos mesmos quando necessitam de cuidados em função de complicações agudas das suas patologias crónicas. É ainda fundamental uma campanha de sensibilização da opinião pública para que a existência da pandemia ao coronavírus não fez desaparecer as outras doenças e que é importante não baixar a guarda, de forma a evitar uma catástrofe ainda maior.
Portugal, 6 de abril de 2020.
O Conselho de Escolas Médicas Portuguesas,
Fausto J. Pinto, Presidente do CEMP e Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Altamiro da Costa Pereira, Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Carlos Robalo Cordeiro, Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Henrique Cyrne Carvalho, Diretor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar
Isabel Palmeirim, Presidente do Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina da Universidade do Algarve
Jaime Branco, Diretor da Nova Medical School | FCM da Universidade Nova de Lisboa
Miguel Castelo Branco, Presidente da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior Nuno Sousa, Diretor da Escola de Medicina da Universidade do Minho