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Parecer do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP) 8 de maio de 2020

O Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), em reunião de 8 de Maio de 2020, procedeu à avaliação dum pedido de parecer por parte da FENPROF sobre a abertura de serviços  de educação e ensino em Portugal a partir de 18 de Maio, no contexto da presente pandemia ao vírus SARS-CoV-2.

Foram levados em linha de conta os seguintes aspetos:

  1. À data de hoje, Portugal encontra-se ainda numa fase de crescimento de infetados ativos, com um número total de 27.268 infetados, 1.114 óbitos e 2.422 recuperados, de acordo com os dados da DGS, que refletem um incremento sustentado nos últimos três dias. Tal significa que ainda não ocorreu o pico de infetados ativos, o que significa que o número de potenciais contaminadores continua ainda a crescer, ao contrário dos outros países em que já foram iniciadas medidas de desconfinamento e, nalguns casos, iniciado a abertura de estabelecimentos escolares.
  2. O valor de R, que traduz o índice de infecciosidade num País, é em Portugal, de acordo com os dados fornecidos pela DGS, cerca de 1, embora com alguma variabilidade regional. É mais ou menos consensual na comunidade científica que o limiar de 0,7 é o mais seguro para iniciar medidas mais acentuadas de desconfinamento, onde se incluem a abertura das escolas.
  3. A reabertura de escolas é considerado como um dos fatores que maior impacto pode ter no aumento significativo para valores perigosos do valor R. Dois estudos muito recentes vieram confirmar isso mesmo. Num estudo publicado na revista Science, um grupo de investigadores chineses, italianos e americanos analisou os dados de duas cidades chinesas, Wuhan, onde se iniciou a pandemia, e Shangai, tendo observado que as crianças eram cerca de três vezes menos suscetíveis à infeção por coronavírus do que os adultos, contudo, após a abertura das escolas, verificaram que as crianças tinham cerca de três vezes mais contactos do que os adultos, logo aumentando em três vezes as oportunidades de se infetarem. Também verificaram que embora as crianças dos 0 aos 14 anos fossem cerca de 1/3 menos suscetíveis à infeção, a partir dos 15 anos tinham suscetibilidade idêntica à de um adulto. Segundo estes investigadores, manter as escolas fechadas contribui para uma redução no curso da epidemia de 40 a 60% (1); num segundo estudo, liderado pelo virólogo alemão Christian Drosten de Berlim, verificou-se que, embora se tivesse detetado um número superior de adultos infetados, as crianças assintomáticas infetadas apresentavam cargas virais tão ou mais altas do que os adultos, daí este perito ter afirmado “So I’m a bit reluctant to recommend to politicians that we can now reopen day cares and schools” (2).
  4. Será sempre muito difícil implementar de forma eficaz a crianças e adolescentes, pela sua natureza, medidas de precaução fundamentais numa situação pandémica como a que vivemos, nomeadamente, distanciamento social, higienização frequente, etc.
  5. Outros países que foram atingidos antes de nós pela pandemia só agora estão a implementar medidas de reabertura muito gradual. Na Alemanha, que teve o primeiro caso mais de um mês antes de Portugal, só na passada semana começaram gradualmente a abrir algumas escolas nalgumas regiões, com regras muito estritas. No Reino Unido não há previsão de abertura. Em França prevê-se reabertura gradual a 18 de Maio e na Holanda a 11 de Maio.
  6. No Japão, com 15253 casos e 556 óbitos a 7 de Maio, foi prolongado o estado de emergência até final de Maio e as escolas permanecem encerradas (após um curto período em que algumas escolas reabriram e tiverem de encerrar novamente).
  7. O risco de complicações associado à infeção pelo coronavírus é maior nalguns grupos de risco, nomeadamente indivíduos com mais de 60 anos ou portadores de patologias como hipertensão e outras doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes, doenças respiratórias, oncológicas, doentes imunocomprometidos, entre outros. Contudo este risco não é desprezível noutros grupos etários e até na população afetada, em geral, com a agravante de não ser possível, de momento, determinar quais os doentes que irão ter complicações mais graves. Recentemente foi descrita uma síndrome associada à COVID-19 designada por Síndrome Inflamatória Multisistémica pediátrica, que embora rara pode trazer complicações graves, incluindo um caso fatal, como descrito num artigo muito recente na prestigiosa revista Lancet (3)
  8. Embora com algumas assimetrias, o funcionamento do ensino à distância tem funcionado de forma satisfatória, sendo, naturalmente, uma adaptação, mas que tem mostrado ser eficaz do ponto de vista pedagógico, duma forma geral.

Sendo assim e tendo por base o conhecimento à data, o CEMP considera:

  1. A fase pandémica em que Portugal está presentemente, considerando apenas as variáveis de caráter sanitário, não aconselha a abertura de escolas, numa altura em que ainda não são conhecidos os resultados dessa abertura noutros países que o fizeram com índices de R muito inferiores ao atual em Portugal.
  2. O risco significativo associado à abertura das escolas por um período de pouco mais de um mês, não parece compensar o possível benefício de atividades presenciais, tanto mais que há alternativas de ensino à distância a funcionarem de forma satisfatória.
  3. Caso se proceda à abertura de escolas aconselha-se: a)Exclusão dos docentes e funcionários com mais de 60 anos, bem como todos os portadores de patologias que os coloquem em grupos de risco, incluindo os estudantes portadores de patologias de risco. b) Sejam tomadas medidas como redução da dimensão das turmas, desfasamento de horários, afastamento de 2 m entre alunos, intervalos curtos, uso de máscaras obrigatório, fornecimento de material de higienização de fácil acesso, etc. c) Excluir atividades de grupo, nomeadamente ajuntamentos, atividades desportivas de grupo, etc.

O CEMP agradece o pedido de parecer e disponibiliza-se para fornecer qualquer outro tipo de informação ou esclarecimento que seja entendido como necessário. Fica também ao critério de V. Exas a divulgação pública do teor deste parecer. Juntamos cópia dos 3 artigos que referenciamos.

Bibliografia:

  1. J. Zhang et al Changes in contact patterns shape the dynamics of the COVID-19 outbreak in China. Science 10.1126/science.abb8001 (2020)
  2. TC Jones, C Drosten et al. An analysis of SARS-CoV-2 viral load by patient age. 2020 (In Press)
  3. S Riphagen et al. Hyperinflammatory shock in children during COVID-19 pandemic. The Lancet 2020 10.1016/S0140-6736(20)31094-1

Portugal, 8 de Maio de 2020.

O Conselho de Escolas Médicas Portuguesas,

Fausto J. Pinto, Presidente do CEMP e Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Altamiro da Costa Pereira, Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Carlos Robalo Cordeiro, Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

Henrique Cyrne Carvalho, Diretor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar

Isabel Palmeirim, Presidente do Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina da Universidade do Algarve

Jaime Branco, Diretor da Nova Medical School | FCM da Universidade Nova de Lisboa

Miguel Castelo Branco, Presidente da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior

Nuno Sousa, Diretor da Escola de Medicina da Universidade do Minho